"Embora se possam fazer balanços todos os dias, há ocasiões em que faz
mais sentido fazê-los [...]. No balanço do ano que [nesta altura] faço,
tenho que pôr do lado do activo e agradecer-te a atenção, o carinho, o amor que
me dedicaste, que me fez sentir valer a pena este quotidiano penoso que é viver
e trabalhar em Portugal nos tempos que correm, infelizes, longe de qualquer
alento, cada vez mais longe do atendimento das expectativas básicas do comum do
cidadão, de que eu me sinto parte, substantiva e subjectivamente.
Foi bom saber-te a meu lado, ter seguro um abraço no fim do dia, saber
garantido o refúgio necessário de quem enfrenta um dia longo sem momentos de
tréguas. Foi bom, foi um renovar de esperança saber que alguém me esperava no
final de cada jornada.
Pena tenho de, por força deste desgaste de muitos anos que levo, não
ter sido capaz de responder a cada abraço teu com outro abraço, de não ter
sabido dobrar em beijos aqueles que me deste, de não ter sido capaz de fazer de
cada dia teu um hino à alegria e ao amor. Não era fácil, é certo, mas devia ter
feito bem mais e melhor.
Em hora de balanço, não sou capaz de alinhar dados do lado do passivo.
Obviamente que houve momentos em que senti que não eras capaz de acompanhar-me
nos silêncios que me eram tão necessários, na minha visão das pessoas e do
mundo mas isso não chega para que faça sentido relevá-los. No passivo, quedam
apenas as minhas incapacidades e limitações, entre elas avultando os abraços
que não cheguei a dar-te.
Não sei se o tempo que se avizinha pode ser tomado por tempo de
esperança, para ti, digo, embora o deseje muito. Os sinais que nos chegam vão quase
todos em sentido contrário. Acreditando que o futuro não pode ser construído
unicamente de mágoas e pesadelos, sou levado a achar que o teu te reservará
também muitas coisas boas, porque o mereces.
Até qualquer dia, meu amor!
José Cadima"
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